Há dois meses
e meio, minha tia deixou tudo e foi fazer uma viagem. Deixou uma casa enorme
entulhada de móveis e roupas por uma mochila com seletos trajes de frio e
várias meias. Deixou uma coleção de filmes (mais de 700), deixou um grupo de
amigos, deixou uma parte da família que ainda permanece na cidade natal, deixou
a rotina. Deixou um diploma de enfermagem, com pós graduação em oncologia,
guardado e o emprego também. Deixou um período da vida para trás. Um período
que a família toda estava com ela, cada um a seu modo. Deixou, na verdade,
todos mais preocupados ainda. Deixou o idioma, deixou o conforto, deixou a
estabilidade. Deixou de lado a covardia que muitos têm e embarcou de cabeça na
viagem que sempre sonhou.
Com base no
que relatei, você pode me dizer: “Normal, ela foi viajar, e daí?”
E daí que ela ainda não voltou. E
não vai voltar tão cedo. E enquanto isso, o coração da família ta viajando com
ela, aprendendo com ela, sentindo saudade dela. Normal, porém não menos
especial.
Porque a cada
cidade nova que ela visita, nos países da America do Sul, a gente visita com
ela. Já fui ao Chile e a parques incríveis. Tive uma aventura em uma montanha
que não sabia como descer. Tirei fotos com a paisagem maravilhosa ao fundo.
Quase morri de frio! Estou em Bariloche desvendando a cidade e também parte da
Patagônia...
Sem dúvida
estou vivendo com ela tudo isso. Aliás, consigo ver como agora ela está
realmente vivendo. No sentido pleno que isso envolve. Acho que ela nunca viveu
tanto como está vivendo agora. E o orgulho que tenho disso é tão grande que não
consigo expressar de outra forma a não ser tentar viver um pouco disso por meio
dela.
Pois ao
aprender espanhol e fazer a quantidade de amigos que ela já fez, eu vejo o quão
somos pequenos diante desse “mundo, mundo, vasto mundo” e ao mesmo tempo o
quanto somos importantes, e capazes de perseguir tudo o que sonhamos sem nos
importarmos com o tempo que isso vai durar ou demorar.
Sobre essa
importância, eu penso no meu tio, que largou tudo para ir junto com a esposa
nessa viagem que ambos planejaram. Sobre como ele é tão parte da família que
não os imagino um sem o outro. De certa forma esse casal me fez pensar em como
eu espero que o companheirismo seja na minha vida. Assim desse jeito, o jeito
de superar tudo que desgasta um casamento e embarcar no relacionamento. De
superar tanta coisa e permanecer assim, unido. "Ainda quero alguém me faça
querer viajar o mundo sem destino, de mãos dadas e com apenas uma câmera
pendurada no pescoço. Quero alguém que me faça ser assim, mais simples.” Porque
esses dois são o exemplo vivo de que nem tudo é idealização, e que a
possibilidade desse trecho do texto da Bruna Vieira se tornar real é dependente
das nossas escolhas.
E eles
escolheram viver um momento, que sim, não é menos complicado que a nossa vida
normal. Escolheram viver a saudade e enfrentar dificuldades, mas escolheram
acima de tudo ir atrás da felicidade que almejaram.
Por isso,
quando a saudade bater tão forte que nos fizer chorar, e se não pudermos nos
abraçar em nossos respectivos aniversários, tentarei me lembrar de tudo que escrevi,
olharei o olhar de vocês nas fotos em lugares lindos e pensarei que o senhor
gauche Carlos Drummond de Andrade tinha razão pois “mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.”
E sim, vocês
deixaram saudade, deixaram gente competindo por atenção em cada email que
enviam e em cada ligação por skype que temos. Deixaram uma família rezando
todos os dias por vocês e para que tudo corra bem na viagem. Deixaram muita
coisa, mas ganharam muito mais.
Além de tudo eles resolveram compartilhar a viagem, as dicas, as fotos, não só com a família mas com qualquer um disposto a ler uma ótima história que ainda está sendo escrita, no blog: http://diariodeumcasalmochileiro.blogspot.com.br/ .