quinta-feira, 28 de março de 2013

Crônica do Dia e a Influência Americana



Voracidade
Estávamos num cinema nos Estados Unidos. Na nossa frente sentou-se um americano imenso decidido a não passar fome antes do filme acabar. Trouxera do saguão um balde — literalmente um balde — de pipocas, sobre as quais eles derramam um líquido amarelo que pode até ser manteiga, e um pacote de M&M, uma espécie de pastilha envolta em chocolate. Intercalava pipocas, pastilhas de chocolate e goles de sua small Coke, que era gigantesca, e parecia feliz. Fiquei pensando em como tudo naquela sociedade é feito para saciar apetites infantis, que se caracterizam por serem simples mas vorazes. As nossas poltronas eram ótimas, a projeçáo do filme era perfeita, o filme era um exemplar impecável de engenhosidade técnica e agradável imbecilidade. Essa competência é o melhor subproduto da voracidade americana por prazeres simples. O que atrai nos Estados Unidos é justamente a oportunidade de sermos infantis sem parecermos débeis mentais, ou pelo menos sem destoarmos da mentalidade à nossa volta, e de termos ao nosso alcance a realização de todos os nossos sonhos de criança, quando ninguém tinha senso crítico ou remorso.
Mas o infantilismo dominante tem seu lado assustador. Nenhum carro de polícia ou de socorro do mundo é tão espalhafatoso quanto Os americanos. Numa sociedade de brinquedos caros, quanto mais luzes e sirenas mais divertido, mas o espalhafato também parece criar uma necessidade infantil de catástrofes cada vez maiores. O caminho natural do apetite sem restrições é para o caldeirão de pipocas, para a Mega Coke e para a chacina. Existe realização infantil mais atraente do que poder entrar numa loja e comprar não um brinquedo igualzinho a uma arma de verdade mas a própria arma? Nos Estados Unidos pode. De vez em quando uma daquelas crianças grandes resolve sair matando todo mundo, como no cinema, mas a maioria dos que compram as armas e as munições só quer ter os brinquedos em casa.
Vivemos nas bordas dessa voracidade ao mesmo tempo ingénua e terrível, mas ela não parece entrar nas nossas equações económicas ou no cálculo dos nossos interesses.
Somos cada vez mais fascinados e menos críticos diante do grande apetite americano e de um projeto de hegemonia chauvinista e prepotente como sempre, agora camuflado pelos mitos da "globalização". Quando a prudência ensina que se deve olhar os americanos do ponto de vista das pipocas.

                                                   Crônica retirada do livro “A Mesa Voadora” de Luís Fernando Veríssimo. 


             O Senhor das crônicas Luís Fernando Veríssimo escreveu "Voracidade" antes do ano 2001, data em que o livro A Mesa Voadora foi lançado, entretanto como tal crônica permanece atual e poderia ter sido escrita no ano de 2012 inspirada em uma das notícias que chocou o mundo? Apesar da maioria de seus textos serem atemporais, um motivo relevante que torna essa crônica tão atual é que certas coisas não mudaram nada nos EUA em mais de 10 anos. A comida continua a mesma e a população mais obesa do mundo só vê agora o resultado explicito de toda a Junk Food que ingeriram. As armas continuam sendo vendidas como brinquedos e massacres em cinemas e escolas não são ficção.


          No dia 20 de julho de 2012 um fã do vilão Coringa se empolgou com a sessão especial  do filme "Batman, o Cavaleiro das Trevas Ressurge"  invadiu o cinema da cidade Aurora no subúrbio de Denver, Colorado, e iniciou um tiroteio. O estudante James Holmes, de 24 anos, comprou legalmente todas as armas que usou e 6.000 cartuchos de munição pela internet. Para os espectadores do filme a cena surreal que presenciaram deixou marcas fortes,  12  mortes e 59 feridos. Apenas 32 km separam o cinema da escola Columbine onde 13 estudantes foram mortos por dois colegas de classe no ano de 1999. A compra de armas de fogo nos Estados Unidos ainda é fácil e psicopatas tem total acesso a isso.


       Porém o apetite voraz dos americanos não é preocupante só pelas armas e brinquedos, seu consumismo exagerado não impõe limites e suas crianças caminham a um estágio de obesidade alarmante. Como lidar com tal influência americana e a cultura presente em nosso país que super valoriza o estrangeiro e tem como inspiração o tal país de primeiro mundo?


      Nossas crianças também estão obesas, todavia nenhuma medida está sendo tomada, educação alimentar deveria se tornar uma disciplina escolar. Outra disciplina obrigatória deveria ser aquela que incentivasse o pensamento crítico e tirasse a maioria da população da alienação causada pelas marcas e pela mídia, porém essa é uma utopia. O documentário "Muito Além do Peso" expõe de forma clara toda a influência e sua consequência. Portanto até onde a saciedade do nosso apetite voraz é compensadora?  


quarta-feira, 27 de março de 2013

Sobre: Saudade e a Cidade dos Ipês





Nativismo e São Sebastião do Paraíso
         O que eu mais tenho saudade? Do queijo ralado de lá. Tenho que fazer estoque aqui em casa porque eu só gosto desse queijo. Tem gosto de infância, de nostalgia, tem gosto de casa. O doce de leite também é infalível, não tem igual. O requeijão não vende perto daqui, e sabe depois que você experimenta alguma coisa muito boa não tem como aturar as ruins depois. Tenho saudade do açaí que é o melhor do mundo. Tenho saudade do milk shake do Bacana e do sorvete do Sposito...
       Tenho saudade da casa, e do quarto, onde vejo marcas do tempo nas paredes, marcas minhas, marcas do tempo que passou, do tempo que cresci, me vejo. Tenho saudade das ruas, cada uma com uma historia pra contar, com uma lembrança... ruas conhecidas e confortáveis, ruas em que  poderia andar por horas sem ter aonde ir e ainda assim me sentir bem. Tenho saudade da hora marcada de voltar pra casa, dos parentes que sempre via na rua, saudade do medo sobre o que iriam dizer, saudade de tudo.
      Saudade dos primos, das primas, dos tios, das tias, saudades da minha família. Saudade do meu pai, meu avô, minha irmã. Saudade dos amigos que eu sei que me acompanharão até o fim. Saudade de ser folgada na casa deles, de conversar com a família deles, de brigar e gritar com eles e depois abraçar desculpando. Saudade das coisas mais bestas, mais bobas, mais banais. Saudade é mesmo um negocio sem explicação, definição, a gente só sente. Simples. Ou não.
      Não acho que a tristeza que acompanha a saudade de vez em quando é simples. É o contrario, pois eu me sinto feliz, não me vejo mais lá, não me sentiria bem se vivesse lá. Se vivesse teria saudade daqui. Complexo? Imagina!
    "E se" três letras que juntas mudam muita coisa, muita opinião, muita mentalidade e ideia fixa. Suposição. E se tivesse ficado? E se tivesse voltado? E se fosse diferente? E se pudesse voltar no tempo? E se?
    Decidi escolher o "mas". E se eu tivesse voltado? Mas se tivesse não conheceria as pessoas daqui, não iria a lugares aqui, não viveria tudo que vivi aqui. Não cresceria como cresci. Certamente seria diferente, e quer saber eu gosto de quem eu sou.
     E o 'mas' e o 'e se' fazem parte de quem eu sou. Eu sou a duvida, as duas partes da coisa, sou a saudade acumulada que se não for posta pra fora machuca. Eu sou. Eu sou tudo que vivi lá. E principalmente tudo que vivo aqui. Eu sou mais que 'e se' e 'mas' vou além disso, todos vamos. O conflito de quem eu sou e quem poderia ter sido sempre vai existir, algumas coisas nunca mudam, nunca acabam, ficam sempre guardadas profundamente, porque são sim inesquecíveis. Como lembranças, como a nostalgia, como a saudade, e como (o melhor de tudo) o reencontro.